Há 50 anos, Lamarca tombava na Bahia

Corpo do ex-capitão do Exército não foi fotografado

16 Setembro 2021 | Quinta-feira 20h19

"Último remanescente da trilogia de líderes subversivos brasileiros." Assim o Jornal do Brasil, influente diário do Rio, hierarquizou na edição de 20 de setembro de 1971 o ex-capitão do Exército, Carlos Lamarca, 33 anos, cercado e morto no interior da Bahia no dia 17 daquele mês.
 
Os outros "remanescentes" caíram - como se recorria à época ao jargão militar - nos dois anos anteriores. Carlos Marighella foi metralhado em novembro de 1969. Joaquim Câmara Ferreira sucumbiu à tortura em outubro de 1970. Ambos em São Paulo.
 
Lamarca estava na Fazenda Buriti em Brotas de Macaúba. A seu lado, descansando à sombra de uma árvore, José Campos Barreto, o Zequinha, outro sobrevivente da verve guerrilheira que armara dezenas de jovens contra o regime de 1964 após o AI-5 de dezembro de 1968.
 
Segundo o JB, a fadiga era tal que a dupla só percebeu a aproximação dos policiais a cerca de 20 metros. Zequinha gritou, correu e levou três balaços. Lamarca tomou cinco, mas teve tempo de "conversar" com um dos agentes.
 
Em Salvador, o governador Antônio Carlos Magalhães fez questão de ciceronear os jornalistas no IML, mas nada de fotos. "Acho que vocês são bastante inteligentes para entender esta situação", disse ACM, insinuando os riscos de uma réplica do "mito Che Guevara", morto em 1968 na Bolívia.
 
Outros três corpos de guerrilheiros, mortos duas semanas antes num bairro nobre da capital baiana, estavam no mesmo necrotério. Entre eles, o de Iara Iavelberg, companheira de Lamarca. Sem chance de fuga, optara pelo suicídio com um tiro na boca.
 
Implacável na caça aos adversários armados, o regime militar denotara apreço pela captura de Lamarca. Atirador de elite, ele desertara com colegas em janeiro de 1969 do 4º Regimento de Infantaria em Osasco (SP) levando um caminhão, fuzis e munição. Virou questão de honra à repressão.
 
De acordo com comunicado de fontes policiais divulgado na mesma edição do JB, Lamarca arregimentou "outros militares para os seus impatrióticos propósitos. Há que se lhe aplicar um severo corretivo para que sua inglória lição não vivifique". A missão estava dada.
 
Responsabilizado por assaltos, atentados e a execução a coronhadas de um tenente da PM paulista, Lamarca virou ícone e alvo. Favorecido por uma cirurgia plástica, revelaria uma mitológica capacidade de se  deslocar entre metrópoles e cidades interioranas.
 
Morto, mereceu biografia em livro de Emiliano José & Miranda Oldack e em filme dirigido por Sérgio Rezende em 1994. Com falas decoradas e uma retórica pouco afeita a quem vivia fugindo com a cabeça a prêmio, ganhou versão caricata na interpretação de Paulo Betti.
 
"Havia duas correntes fortes naquele período com visões  diferentes de estratégia na luta contra a ditadura", lembra Jorge Leal, membro em Criciúma do Partido Comunista Brasileiro e preso político em 1975. "Nós defendíamos o fortalecimento dos sindicatos e de organizações sociais unificando as ações com o partido político legal existente, o MDB."
 
Para Leal, a formação militar de Lamarca o levou a dar uma "grande contribuição no treinamento do seu grupo armado. Fizeram diversas ações violentas que provocaram uma resposta também violenta e imediata da ditadura, o que gerou muito desconforto em termos estratégicos."
 
Traidor do Exército ou guerrilheiro, terrorista ou herói, Carlos Lamarca é lembrado de várias maneiras meio século depois. "Nem herói nem traidor", advoga o engenheiro civil e notório opositor ao regime militar Jorge Henrique Frydberg. "Apenas um homem com profundas convicções e que escolheu o mais difícil dos caminhos para a volta da democracia."

Imagens / arquivo: Jornal do Brasil / Setembro 1971 / Exército do Brasil

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