E no primeiro verão pós-pan...

... quem não vê cara, arrisca!

04 Julho 2020 | Sábado 19h21

"Pela buzanfa, é a Ivonete", destila a Doroteia.
 
O comentário pura ironia obriga a amiga Lurdes a se erguer na cadeira de praia, baixar os óculos de sol e espremer os olhinhos.

Estamos em janeiro de 2021 e - ao contrário do que se imaginava - a pandemia do Covid-19 em nada atenuou preconceitos, invejas e ranços. E a beira-mar, como se sabe, é um perene juizado feminino de acertos de contas.
 
"Não é não!", descarta a confidente. "A Ivonete nunca usou um fio atochado assim!"
 
"Não usava", vocifera Doroteia. "Com aquela máscara de franjinha, acha que ninguém vai reconhecer. Huhn! Deve tá se achando a musa da praia. Olha lá... ela de lado agora."
 
"Geeentee! É a Ivonete mesmo."
 
Tempos difíceis. Muito difíceis. 
 
No primeiro verão pós-pan, interagir na orla não será fácil. Somando-se a biquínis, cangas, shortinhos e saidinhas, as máscaras - mesmo as translúcidas que já proliferam na Europa - dificultarão o reconhecimento facial.
 
Se entre mulheres, o inefável olhar clínico irá se valer mais do que nunca de peculiaridades anatômicas, entre os homens vigorará também uma perspectiva, digamos, localizada.
 
"Nossa, é o Paulo da Marcinha??", interpela a Doroteia.
 
"Paulo da Marcinha? Que Marcinha, Dô?"
 
"A Marcinha do salão."
 
"Não é não!", questiona outra vez a Lurdes, agora jogando os óculos na toalha sobre a areia para refinar a visão.
 
"Claro que é. Olha lá... ele de lado agora."
 
"Geeentee! Com aquela pança???"
 
Tempos difíceis. Pesarosamente difíceis.
 
CONTATO BLOG
neimanique1956@gmail.com

 
#QuaranTimes