Paixão pelos pedais cruza os séculos
Corridas da Sociedade Ciclística Criciumense eram dias de festa
27 Setembro 2020 | Domingo 19h27
Da mobilidade urbana ao prazer de pedalar na natureza nos fins de semana, o ciclismo parece viver a sua apoteose. Reflexo disso está no crescimento das vendas de bicicletas nos variados modelos em plena pandemia, destaque da revista Vogue na edição de agosto.
Ao mesmo tempo que a opção pelas duas rodas junta cada vez mais adeptos, as escolhas e os novos hábitos remetem a um desses revivals impregnados pelo multiculturalismo vintage. Já lá atrás, na década de 1950, ter uma bicicleta transcendia o meio de transporte.
Folheto de 27 de junho de 1954 anunciava competição bancada pela Sociedade Ciclística Criciumense às 9 da manhã de domingo. O circuito largava da Avenida Getúlio Vargas onde hoje é a Livraria Fátima, alcançando as Ruas Marcelo Lodetti, João Pessoa e Marechal Deodoro para retornar ao ponto de partida pela Ruy Barbosa.
Com 10 voltas, a prova totalizava 16 km e incluía premiação das Casas Pernambucanas. Entidade e organização tinham à tutela do enfermeiro Romeu Lopes de Carvalho - nas fotos, de bigode e óculos. "Reunia gente de toda a região e a Praça Nereu Ramos virava uma festa aos domingos", testemunha o jornalista Archimedes Naspolini Filho.
Romeu Penicilina, como era conhecido em razão da profissão, carregava literalmente uma "indumentária" peculiar. "Ele circulava sempre de bicicleta e com um guarda-chuva pendurado no bolso traseiro da calça", acrescenta Archimedes. "Grande Romeu!"
Como incentivo às pedaladas, Romeu trouxe a Criciúma o "campeão brasileiro de ciclismo" Enio Ferreira no início dos anos 60. A prova da SCC desta vez era individual e de resistência: Enio pedalaria sobre o passeio da Nereu durante "100 horas consecutivas" em mais uma "gentileza" das Pernambucanas.
Ausentes no calendário esportivo local, as competições deram lugar nas últimas décadas a grupos de cicloativistas ou "baikeiros", do inglês "bike", como se definem. "Gosto de pedalar com amigos, mas às vezes também sozinho para refletir o meu projeto de vida e deixar decantar algumas ideias", diz o padre Maike Grapiglia, diretor do Colégio Rogacionista Pio 12.
"Muitas inspirações vêm no pedal em estradas do interior", afirma. "Mais que um esporte, vejo aí um espaço onde a gente pode se encontrar à medida que se desliga um pouco do celular e do trabalho." Sozinho ou com amigos, Maike pedalou até Bento Gonçalves em 2019, a Nova Trento em janeiro passado e à casa dos pais em Taquaruçu do Sul, noroeste gaúcho, pouco antes da pandemia.
Um dos amigos é o músico e empresário do setor de transporte Diego Bif. "A bicicleta é a oportunidade de sintonizar mente e corpo", destrincha ele. Com Maike e o professor e consultor Mateus Meller De Luca, o trio é pura empatia. "Descobrimos que melhor do que a partida e a chegada é o caminho", acentua Diego. Na próxima quinta, eles pedalam a Curitiba, largando da frente do Interclass Hotel, parceiro da jornada.
"Pedalar é se libertar, ir longe e conhecer muitos lugares bacanas", concorda o radialista Renato Teixeira. "Em grupo, agregamos conhecimentos e valores porque nele você tem de tudo. Advogado, professor, jornalista, pedreiro, enfermeiro, comerciante e ali rola muita troca de ideias. A gente vai absorvendo coisas do dia a dia de cada uma dessas pessoas."
No extemo-oeste de Santa Catarina, a jornalista Joana Reichert, residente em Iporã do Oeste e repórter da rádio local, dá eco aos "baikeiros" do sul. "Ciclismo pra mim é liberdade e superação. Quando opto por pedalar sozinha, busco seguir o meu ritmo e fazer do meu jeito para superar alguma questão individual."
Já em grupo, sublinha ela, vem "aquilo que a gente chama de 'biketerapia'. É preciso respeitar os limites dos outros para ajudar e incentivar quem ainda não pedala tanto e também para aprender com quem já pedala há mais tempo", aconselha. "Após um pedal longo, chego em casa com o corpo cansado, mas a alma muito leve."
Imagens: Arquivos pessoais e acervo de Romeu Lopes de Carvalho (in memoriam)
CONTATO BLOG
neimanique1956@gmail.com
Ao mesmo tempo que a opção pelas duas rodas junta cada vez mais adeptos, as escolhas e os novos hábitos remetem a um desses revivals impregnados pelo multiculturalismo vintage. Já lá atrás, na década de 1950, ter uma bicicleta transcendia o meio de transporte.
Folheto de 27 de junho de 1954 anunciava competição bancada pela Sociedade Ciclística Criciumense às 9 da manhã de domingo. O circuito largava da Avenida Getúlio Vargas onde hoje é a Livraria Fátima, alcançando as Ruas Marcelo Lodetti, João Pessoa e Marechal Deodoro para retornar ao ponto de partida pela Ruy Barbosa.
Com 10 voltas, a prova totalizava 16 km e incluía premiação das Casas Pernambucanas. Entidade e organização tinham à tutela do enfermeiro Romeu Lopes de Carvalho - nas fotos, de bigode e óculos. "Reunia gente de toda a região e a Praça Nereu Ramos virava uma festa aos domingos", testemunha o jornalista Archimedes Naspolini Filho.
Romeu Penicilina, como era conhecido em razão da profissão, carregava literalmente uma "indumentária" peculiar. "Ele circulava sempre de bicicleta e com um guarda-chuva pendurado no bolso traseiro da calça", acrescenta Archimedes. "Grande Romeu!"
Como incentivo às pedaladas, Romeu trouxe a Criciúma o "campeão brasileiro de ciclismo" Enio Ferreira no início dos anos 60. A prova da SCC desta vez era individual e de resistência: Enio pedalaria sobre o passeio da Nereu durante "100 horas consecutivas" em mais uma "gentileza" das Pernambucanas.
Ausentes no calendário esportivo local, as competições deram lugar nas últimas décadas a grupos de cicloativistas ou "baikeiros", do inglês "bike", como se definem. "Gosto de pedalar com amigos, mas às vezes também sozinho para refletir o meu projeto de vida e deixar decantar algumas ideias", diz o padre Maike Grapiglia, diretor do Colégio Rogacionista Pio 12.
"Muitas inspirações vêm no pedal em estradas do interior", afirma. "Mais que um esporte, vejo aí um espaço onde a gente pode se encontrar à medida que se desliga um pouco do celular e do trabalho." Sozinho ou com amigos, Maike pedalou até Bento Gonçalves em 2019, a Nova Trento em janeiro passado e à casa dos pais em Taquaruçu do Sul, noroeste gaúcho, pouco antes da pandemia.
Um dos amigos é o músico e empresário do setor de transporte Diego Bif. "A bicicleta é a oportunidade de sintonizar mente e corpo", destrincha ele. Com Maike e o professor e consultor Mateus Meller De Luca, o trio é pura empatia. "Descobrimos que melhor do que a partida e a chegada é o caminho", acentua Diego. Na próxima quinta, eles pedalam a Curitiba, largando da frente do Interclass Hotel, parceiro da jornada.
"Pedalar é se libertar, ir longe e conhecer muitos lugares bacanas", concorda o radialista Renato Teixeira. "Em grupo, agregamos conhecimentos e valores porque nele você tem de tudo. Advogado, professor, jornalista, pedreiro, enfermeiro, comerciante e ali rola muita troca de ideias. A gente vai absorvendo coisas do dia a dia de cada uma dessas pessoas."
No extemo-oeste de Santa Catarina, a jornalista Joana Reichert, residente em Iporã do Oeste e repórter da rádio local, dá eco aos "baikeiros" do sul. "Ciclismo pra mim é liberdade e superação. Quando opto por pedalar sozinha, busco seguir o meu ritmo e fazer do meu jeito para superar alguma questão individual."
Já em grupo, sublinha ela, vem "aquilo que a gente chama de 'biketerapia'. É preciso respeitar os limites dos outros para ajudar e incentivar quem ainda não pedala tanto e também para aprender com quem já pedala há mais tempo", aconselha. "Após um pedal longo, chego em casa com o corpo cansado, mas a alma muito leve."
Imagens: Arquivos pessoais e acervo de Romeu Lopes de Carvalho (in memoriam)
CONTATO BLOG
neimanique1956@gmail.com