Buenos Aires, logo ali
A Ciudad Autónoma que visitei e conheci
14 Maio 2023 | Domingo 15h20
Nos quatro dias que passei em Buenos Aires - 8/11 de maio - não conheci pontos turísticos. Gravando entrevistas para meu documentário - 50 anos do DIA do retorno de Perón - fiz da Plaza de Mayo meu estúdio, a Casa Rosada meu cenário de fundo.
As mais comoventes imagens que registrei, aliás, reúnem "niños y niñas" nessa Plaza. Todos os dias, professores e professoras realizam saídas a campo levando a galera à Grande Sala de Aula da história argentina. Uma atmosfera cativante e contagiante.
Para mim, admito, foi como ir a Roma e não ver Francisco. Não estive em Puerto Madero, Caminito, Recoleta e no Malba, mas e daí? Fui em busca de respostas para o que houve de errado no entorno do aeroporto de Ezeiza naquela tarde de 20 de junho de 1973. Ouvi muitas.
Pra quem não lembra: duas horas antes do "arribo" do líder asilado por 18 anos em Madri, facções peronistas se desentenderam a poucos metros do palco. O tiroteio matou dezenas, feriu centenas e colocou milhares de pessoas em fuga. O feriado da festa do reencontro com Perón virou velório nacional.
Ponto de chegada do ex-presidente, Ezeiza deveria ser também o ponto de partida à construção de uma nova Argentina. O que se viu nos meses seguintes foi uma guerra fratricida com incontáveis vítimas, átrio da mais cruenta ditadura na história da América.
Não tive tempo para visitar pontos turísticos, mas estive na "exESMA", antiga sede da Escola de Mecânica da Marinha. Um lugar tristemente lembrado como um combo de presídio, centro de torturas e entreposto de desaparecimentos entre 1976 / 82.
Da ESMA partiram os funestos "voos da morte", aeronaves transportando gente executada ou anestesiada e atirada na bacia do Rio da Prata. O complexo é hoje um megaespaço de memória e atividades culturais. Não vi turistas ali. Brazucas, eu.
DICAS DE VIAGEM
Se vai a Buenos Aires neste inverno, poupe seus dólares e viaje com reais. Não se aceita em todo lugar, mas com os cambistas nas ruas a troca é vantajosa. Recebi 80 pesos por R$ 1 na segunda-feira, 84 na quarta e 88 na quinta. Quase fiquei por lá.
Onde o câmbio é fluido e isso vale para várias atividades econômicas - táxis não - os cartazes são bem claros. "Aceptamos DÓLAR EURO REAL." Minha autoestima foi às nuvens. Nada como sair de casa para descobrir o que temos nela de valor.
Caminhar em Buenos Aires é percorrer eras distintas, transpostas por estilos arquitetônicos ímpares, a começar pela sede do Congresso Nacional. E quem se exercita pelas "calles" desfruta de um sistema de transporte coletivo bem planejado, eficiente e barato integrado por trens, ônibus e metrô, o Subte, como é chamado.
Por falar em caminhar: preste atenção às faixas para pedestres ("senda de peatones"). São meramente decorativas, exceto nos semáforos. Motoristas não dão a mínima para elas e transeuntes menos ainda porque sabem - ao pé da letra - onde pisam.
Se há um congestionamento no trânsito, a causa está em algum protesto. As ruidosas manifestações organizadas por "piqueteros" juntam bumbos e cornetas numa curiosa semelhança com as charangas das nossas barras e torcidas organizadas.
A tática visa atazanar a vida de quem se mostra indiferente às reivindicações. Um piquete num posto do Ministério da Saúde denunciava a precarização dos serviços e exigia piso salarial para enfermeiras. Não fossem os bumbos, me sentiria em casa.
Não pude medir o apoio da população a essas manifestações, mas entre taxistas o termo "piqueteros" vem sempre escoltado por um palavrão. E serve também como desculpa para atrasos. Me vali com um entrevistado. "Perdón, pero los piqueteros..." Funcionou.
A "CIUDAD" EM SI
"Porteño/a" identifica quem nasce ou vive na Ciudad Autónoma de Buenos Aires (CABA), a capital federal. "Bonaerense" na província de Buenos Aires, capital La Plata. É como paulistanos e paulistas, cariocas e fluminenses. Se entendem, nem sempre "muy bién".
Seja pelo clima ameno ou por força dos hábitos, a Ciudad é repleta de cafeterias e "confiterías". Dependendo do horário, formam-se filas nas portas. Livrarias também se destacam e algumas colocam estantes com livros na calçada. Mídia exterior de primeira para um público-alvo idem.
MERCOSUL DE MÃO ÚNICA
A torrente "brasileña" por lá agrega uma extraordinária presença nordestina. Não me atrevi a especular os valores dos pacotes uma vez que viajam por horas. Só de Sampa são três horas em voo direto. Para nós, sulistas, o voo POA - Aeroparque dura uma hora e 15 minutos. Mal dá tempo prum cafezinho.
O Mercosul é pura ficção no Aeroparque. Isentos de passaportes, pegamos fila de estrangeiros e respondemos a um interrogatório. Motivo da viagem, tempo de permanência, local de hospedagem, polegar no sensor eletrônico e... sorria! Você está sendo fotografado. Me senti na Europa, não num país vizinho.
Na saída, polegar e foto novamente. Já no Salgado Filho, ares de integração continental e reciprocidade zero. Argentinos e argentinas ao nosso lado com carteiras de identidade à mão. Nos guichês, singelas boas vindas e "adelante".
Em Buenos Aires, felizmente, predomina a cordialidade. Afáveis, "hermanos y hermanas" empenham-se em entender o português, dar informações precisas e não escondem sua simpatia pelo Brasil. Um jeito carinhoso de dizer "vuelvan siempre".
"MI DOCUMENTAL"
Meu documentário atiçou curiosidades. Por que um "periodista brasileño" se interessa tanto por uma data tão específica? Respondi que tinha 17 anos na época e que minha geração mirava a Argentina como "farol da democracia no sul da América".
Reconheci antes de cada entrevista que minha pauta soava idílica, mas idílicos - acrescentei - foram também aqueles tempos, em especial 1973. Um ano de sonhos e esperanças. Para mim, os sonhos escapuliram naquela tarde em Ezeiza. A esperança, me contestaram, segue viva.
As mais comoventes imagens que registrei, aliás, reúnem "niños y niñas" nessa Plaza. Todos os dias, professores e professoras realizam saídas a campo levando a galera à Grande Sala de Aula da história argentina. Uma atmosfera cativante e contagiante.
Para mim, admito, foi como ir a Roma e não ver Francisco. Não estive em Puerto Madero, Caminito, Recoleta e no Malba, mas e daí? Fui em busca de respostas para o que houve de errado no entorno do aeroporto de Ezeiza naquela tarde de 20 de junho de 1973. Ouvi muitas.
Pra quem não lembra: duas horas antes do "arribo" do líder asilado por 18 anos em Madri, facções peronistas se desentenderam a poucos metros do palco. O tiroteio matou dezenas, feriu centenas e colocou milhares de pessoas em fuga. O feriado da festa do reencontro com Perón virou velório nacional.
Ponto de chegada do ex-presidente, Ezeiza deveria ser também o ponto de partida à construção de uma nova Argentina. O que se viu nos meses seguintes foi uma guerra fratricida com incontáveis vítimas, átrio da mais cruenta ditadura na história da América.
Não tive tempo para visitar pontos turísticos, mas estive na "exESMA", antiga sede da Escola de Mecânica da Marinha. Um lugar tristemente lembrado como um combo de presídio, centro de torturas e entreposto de desaparecimentos entre 1976 / 82.
Da ESMA partiram os funestos "voos da morte", aeronaves transportando gente executada ou anestesiada e atirada na bacia do Rio da Prata. O complexo é hoje um megaespaço de memória e atividades culturais. Não vi turistas ali. Brazucas, eu.
DICAS DE VIAGEM
Se vai a Buenos Aires neste inverno, poupe seus dólares e viaje com reais. Não se aceita em todo lugar, mas com os cambistas nas ruas a troca é vantajosa. Recebi 80 pesos por R$ 1 na segunda-feira, 84 na quarta e 88 na quinta. Quase fiquei por lá.
Onde o câmbio é fluido e isso vale para várias atividades econômicas - táxis não - os cartazes são bem claros. "Aceptamos DÓLAR EURO REAL." Minha autoestima foi às nuvens. Nada como sair de casa para descobrir o que temos nela de valor.
Caminhar em Buenos Aires é percorrer eras distintas, transpostas por estilos arquitetônicos ímpares, a começar pela sede do Congresso Nacional. E quem se exercita pelas "calles" desfruta de um sistema de transporte coletivo bem planejado, eficiente e barato integrado por trens, ônibus e metrô, o Subte, como é chamado.
Por falar em caminhar: preste atenção às faixas para pedestres ("senda de peatones"). São meramente decorativas, exceto nos semáforos. Motoristas não dão a mínima para elas e transeuntes menos ainda porque sabem - ao pé da letra - onde pisam.
Se há um congestionamento no trânsito, a causa está em algum protesto. As ruidosas manifestações organizadas por "piqueteros" juntam bumbos e cornetas numa curiosa semelhança com as charangas das nossas barras e torcidas organizadas.
A tática visa atazanar a vida de quem se mostra indiferente às reivindicações. Um piquete num posto do Ministério da Saúde denunciava a precarização dos serviços e exigia piso salarial para enfermeiras. Não fossem os bumbos, me sentiria em casa.
Não pude medir o apoio da população a essas manifestações, mas entre taxistas o termo "piqueteros" vem sempre escoltado por um palavrão. E serve também como desculpa para atrasos. Me vali com um entrevistado. "Perdón, pero los piqueteros..." Funcionou.
A "CIUDAD" EM SI
"Porteño/a" identifica quem nasce ou vive na Ciudad Autónoma de Buenos Aires (CABA), a capital federal. "Bonaerense" na província de Buenos Aires, capital La Plata. É como paulistanos e paulistas, cariocas e fluminenses. Se entendem, nem sempre "muy bién".
Seja pelo clima ameno ou por força dos hábitos, a Ciudad é repleta de cafeterias e "confiterías". Dependendo do horário, formam-se filas nas portas. Livrarias também se destacam e algumas colocam estantes com livros na calçada. Mídia exterior de primeira para um público-alvo idem.
MERCOSUL DE MÃO ÚNICA
A torrente "brasileña" por lá agrega uma extraordinária presença nordestina. Não me atrevi a especular os valores dos pacotes uma vez que viajam por horas. Só de Sampa são três horas em voo direto. Para nós, sulistas, o voo POA - Aeroparque dura uma hora e 15 minutos. Mal dá tempo prum cafezinho.
O Mercosul é pura ficção no Aeroparque. Isentos de passaportes, pegamos fila de estrangeiros e respondemos a um interrogatório. Motivo da viagem, tempo de permanência, local de hospedagem, polegar no sensor eletrônico e... sorria! Você está sendo fotografado. Me senti na Europa, não num país vizinho.
Na saída, polegar e foto novamente. Já no Salgado Filho, ares de integração continental e reciprocidade zero. Argentinos e argentinas ao nosso lado com carteiras de identidade à mão. Nos guichês, singelas boas vindas e "adelante".
Em Buenos Aires, felizmente, predomina a cordialidade. Afáveis, "hermanos y hermanas" empenham-se em entender o português, dar informações precisas e não escondem sua simpatia pelo Brasil. Um jeito carinhoso de dizer "vuelvan siempre".
"MI DOCUMENTAL"
Meu documentário atiçou curiosidades. Por que um "periodista brasileño" se interessa tanto por uma data tão específica? Respondi que tinha 17 anos na época e que minha geração mirava a Argentina como "farol da democracia no sul da América".
Reconheci antes de cada entrevista que minha pauta soava idílica, mas idílicos - acrescentei - foram também aqueles tempos, em especial 1973. Um ano de sonhos e esperanças. Para mim, os sonhos escapuliram naquela tarde em Ezeiza. A esperança, me contestaram, segue viva.