O meu elefante branco

06 Maio 2018 | Domingo 07h30

Publicado em 4 mai 14.

Eu tinha seis anos quando entrei pela primeira vez no Hospital Infantil Santa Catarina. Goleiro atrevido, centrado na trave improvisada por pilares de tijolos, vi a bola vindo. Não vi o pilar. A defesa ousada evitou o gol adversário, mas me custou quatro pontinhos na cabeça, costurados sem anestesia. Guardo a marca.

A cena toda, meu choro, as agulhadas, bracinhos e perninhas contidos por meu pai e um tio, eu reviveria três décadas depois. Com menos de um ano, meu filho escorregou num andador, bateu o queixo e cortou o lábio inferior por dentro.


Lá estava eu, de novo no Santa Catarina. Choro, agulhadas, bracinhos e perninhas contidos num autêntico remake filial. Verdade das verdades? Sofri muito mais imobilizando meu filho do que quando levei aqueles quatro pontos.

Vivíssimos na minha memória, os dois episódios me emprestaram enorme familiaridade com o Hospital Santa Catarina. Testemunhei as dificuldades enfrentadas por seus médicos fundadores e os investimentos bancados pelo Grupo Guglielmi.

Aplaudi a aquisição pela prefeitura em 1997 e lamentei a concessão, mesmo com atendimento via SUS, ao Hospital São José em 2009. Uma transição turbulenta, marcada por protestos de várias entidades do lado de fora, incêndios misteriosos dentro.

Bem antes, entre as administrações dos prefeitos Décio Góes e Anderlei Antonelli, minha intimidade com o HISC virou obsessão. Divulguei cada laje concretada, parede erguida, o zelo dos funcionários e os equipamentos doados pelo Ministério da Saúde.

Do bairro onde morava, flertei à distância durante anos com aquela obra imponente. Projetada para ser a grande maternidade pública regional, partilharia o custeio com prefeituras de cidades conurbadas, governos estadual e federal. Inconclusa, foi se tornando o meu elefante branco.

Quando há um ano mudei-me para mais perto dele, os paredões agigantaram minha incompreensão a respeito da sua inoperância, dos equipamentos encaixotados e das filas no pronto-atendimento.

Enquanto empreendimentos privados brotam na cidade num punhado de meses, os investimentos públicos na saúde escoam num labirinto de promessas, descasos e abandonos. O HISC, bom lembrar, não é um exemplo isolado da insensatez (des)governante. No bairro Próspera, jaz uma UPA erguida e não menos inativa.

Num ano de Copa do Mundo em casa, o anunciado fechamento da maternidade do Hospital São José só tonificaria a revolta popular contra gastanças monumentais. O pacto firmado neste fim de semana, mantendo-a aberta por mais 90 dias, soou como trégua e alerta.

Enquanto perdurar o armistício, minha memória seguirá regada por lágrimas de duas eras distintas diante da miragem paquidérmica que o presente me oferta. Já as agulhadas perfurarão as fronteiras da tolerância de um povo ainda contido em suas reações. Ainda porque o choro é ensurdecedor.

Que a Copa nos seja leve!