Velhos jornalistas, jovens jornalistas
Achar que está tudo bem, o acesso mais curto à mediocridade
06 Maio 2018 | Domingo 08h00
Publicado em 9 abr 17
Imagino que por ser Domingo de Ramos, a leitura do Evangelho começará hoje para os católicos com um nostálgico "naquele tempo". Incrível como o ser humano atrela-se ao tempo e à nostalgia para de tempos em tempos recordar e resgatar boas lembranças. Vai se o tempo, elas nunca se vão. Coisa boa.
Sou destes que se atrelam vez por outra, embora capaz de me atualizar e conviver com novidades. Nessa semana, a manchete de um dos jornais de minha cidade inseriu o verbo "lacrar". Os leitores estranharam. Alguém traduziu. Gíria nova. "Arrasar". Salvei.
Atualizar-se tem disso. Não basta renovar o guarda-roupa, é preciso revitalizar palavras, expressões e noções. Pela inquietação que lhe é peculiar, o jornalismo tem sido historicamente uma incubadora na tarefa de reciclar verbetes, prospectar e destacar novos hábitos.
Só que algo estranho vem ocorrendo nos últimos anos. A reciclagem está perdendo as forças, resfolegando em parágrafos e títulos. Num destes portais nacionais, abra a página com notícias da área policial e conte em quantas a palavra "homem" aparece nos títulos. Homem morre em colisão, homem é atropelado, homem é baleado pela esposa.
Que fim levaram motoristas, pedestres e maridos? Jazem em covas do vernáculo.
A fadiga textual não cessa aí. Embora reciclar seja uma obstinação atávica na profissão, optamos por exumar cantilenas do tipo a vítima "veio a óbito", segundo a "autoridade policial", os assaltantes "empreenderam fuga". Sem falar que os ladrões agora "anunciam" assalto e "subtraem" somas.
A essa mesma fadiga alia-se uma indisfarçável desídia na hora de escrever, prevalecendo o Ctrl C+V de fontes oficiais. Advogados "interpõem" recursos, delegados "representam pela" denúncia, magistrados "prolatam" etc e eis que surge, assim do nada, uma tal de "oitiva".
Numa leitura afobada, minha crítica soa dirigida à nova geração de jornalistas. Nada mais falso. Ao contrário de colegas veteranos, não vejo jovens jornalistas acomodados nem reféns de suportes tecnológicos. Neles e nelas distingo a mesma paixão e a mesmíssima inquietação que me atraíram lá atrás.
O cotidiano enredado dos novos colegas, isto sim, me assusta. Rotinas, expectativas e frustrações agudizam seu estresse numa escala exponencial em relação à minha "turma". Um celular fora de área de uma fonte pode ser a antessala de um infarto.
Eis aí uma geração que está adoecendo ainda mais precocemente. O pique e o famigerado "deadline" desta galera são outros. A minha "turma" não entende isso.
Decorre talvez daí a ausência de uma autocrítica pertinente à profissão. Admitir que o texto de ontem ou da manhã de hoje poderia ser diferente é só um ponto de partida. Achar que está sempre ótimo, que nada precisa mudar para melhorar, a linha de chegada à mediocridade.
Hoje é domingo para benzer ramos e afastar raios, dizem. Ou dizia-se. Num tempo que de tempos em tempos me revisita e, coisa boa, volta a me atrelar.
(Imagem: Diocese de Criciúma / Arquivo)